Espaço e som

Acredito que ninguém vai precisar de mais de um segundo para entender a ilustração e se identificar. O objetivo em postá-la é mostrar de forma esquematizada e visual um processo que a gente já conhece muito bem, sabe algumas coisas, mas nem sempre as articula juntas.
Acompanhem comigo. Ali, no meio do pescoço, há a pregas vocais (que receberam esse nome de bobeira, mas isso a gente fala em um futuro breve). São elas as responsáveis pela nossa fonação. Até aí, todo mundo sabe. Mas é importante desfiar um pouco mais esse ponto. São elas a nossa fonte sonora, elas que fornecem a nossa frequência fundamental, a nota que cantamos. Aquilo que reconhecemos por voz é um produto desta frequência transformada e ampliada pela geração de harmônicos pelos ressoadores, que são as cavidades da nossa cabeça, e moldada em unidades recorrentes, como vogais e consonantes, pelo sistema articulatório, que são os dentes, os lábios e a língua. De maneira bem simplificada, a gente pode pensar que a altura da voz é resultado do que fazemos dentro do nosso pescoço, enquanto que a sua “qualidade” (por favor, não tomem esta palavra como literal aqui) é de responsabilidade pelo que se faz com/na boca.
Quem viu, se lembra que aqui pudemos testemunhar as cordas vocais em atividade. Fica claro que, conforme a frequência caminha para o agudo, essa duplinha se estende, assim como o oposto é direto e verdadeiro.
Pensemos então juntos. Se algo se estende dentro de nós, precisa de espaço. E esta é a palavra-chave para o agudo, tanto para sua altura quando para sua qualidade, e aqui podemos entender essa palavra de maneira direta. Quando esprememos nosso pescoço, geramos tensão, que nos estrangula de dentro para fora. E assim, tiramos o espaço para as pregas de estenderem livremente. Quanto mais relaxados estivermos, melhor conseguimos deixar que a voz soe. Por outro lado, se deixarmos os conceitos da anatomia humana de lado e no focarmos em conceitos da física e da acústica, vamos chegar no mesmo lugar. Havendo uma fonte sonora dentro de nós, a frequência que ela produz precisa reverberar no corpo do instrumento. À medida que administramos o devido relaxamento, deixamos o aparato disponível para a ressonância.
É extremamente importante que sejamos vigilantes com a tensão que aplicamos na língua e na mandíbula enquanto cantamos, porque essas tensões são refletidas automaticamente na garganta. Fica muito fácil de compreender com o seguinte experimento. Vá para a frente do espelho e boceje. De maneira longa e espontânea. Se precisar de ajuda, tem aqui. Logo no início temos uma sensação de relaxamento muito grande até culminar numa tensão, que só acontece por não termos mais para onde relaxar. Note que a mandíbula desce, a cabeça gira ligeiramente para baixo. Agora tentem olhar para o teto bocejar. Notaram que não acontece? Isso porque ao tentarmos projetar a mandíbula para uma posição desconexa daquela em que ela se encontra relaxada, a laringe se eleva, e aí ela trava. Não sei quanto a vocês, mas em mim isso causa uma sensação muito próxima ao engasgo, terrível! Não à toa eu sempre digo que a posição e a idéia do início do bocejo são ótimas para o canto.
Devemos então desativar aquele reflexo muito comum que temos em querer empurrar um agudo com o pescoço, como se espremendo a garganta vamos produzir uma nota aguda, achando que é assim que o fazemos soar. Não devemos nunca esquecer que a matéria prima para o som vocal é ar, e isso não tem “peso”, a gente não carrega o ar para que ele faça algum som.  Podemos pensar em um sino, que amplia a energia aplicada nele apenas deixando que as ondas corram por todo o seu corpo e reverbere. Com a gente não é diferente. O que devemos fazer é permitir que o som ocorra, dar espaço para a sua ressonância. Mandíbula, língua e corpo soltos são fundamentais. Bem aquilo que a Rainha já tinha nos mostrado.

Seção longitudinal
A imagem encontrei na internet e tomei a liberdade de traduzir os nomes para a nossa língua. Se eu ofendi o direito autoral de alguém, por favor me comunique, eu tiro ela do ar e dou outro jeito.

Sobre Marília Zangrandi

Cantora, atriz, intérprete e professora de canto carioca. Fotógrafa quando pode. Redatora, editora, moça do café e censora do www.juntosnocanto.wordpress.com. De vez em quando, terapeuta.
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Uma resposta para Espaço e som

  1. Flavia disse:

    Muito bom hein! Lembro que so consegui aprender uma vez cm vc, mas essa dica que vc me deu mudou completamente a forma como eu canto… foi exatamente o assunto desse post… queria continuar, qdo eu me mudar pra freguesia a gente continua, pq aqui do autodromo tudo fica longe… Bjs!

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